quinta-feira, 20 de maio de 2010

Lya Luft


 O ingresso na vida literária foi lento. Lya não ambicionava ser escritora. Acha que a arte acontece na vida das pessoas. "Eu era uma aluna boa em redação e gostava muito de ler". Desde pequena se deleitava com os livros de seu pai. E aproveitou para organizar sua própria biblioteca. "Minha cama de mocinha ficava entre prateleiras. Bastava estender a mão e os livros estavam ao meu alcance". Quando menina tinha um diário e adorava ouvir estórias infantis. Inventar personagens e brincar com as palavras a estimulavam.


Como a maioria dos interioranos, Lya veio estudar na capital. Cursou Pedagogia, depois se formou em Letras anglo-germânicas, fez mestrado em Lingüística, todos na PUC. Mais tarde, o mestrado em Literatura Brasileira e Portuguesa, na UFRGS. Quando estava na faculdade lia poesias brasileira, alemã, portuguesa, inglesa e americana. Tomada pelo sabor desse gênero, começou a criar poemas. Ainda na academia, participou de um concurso de poemas, promovido pelo Instituto Estadual do Livro (IEL), obtendo o primeiro lugar. Esta obra - já esgotada - se chama "Canções de Linear".

Por volta de 1964, Lya publicava, semanalmente, suas crônicas no antigo Correio do Povo. Em 1972, a coleção da Editora Sulina intitulada "Poetas hoje" publicou o segundo livro - "Flauta Doce". Na seqüência, uns seis anos após, vieram as crônicas - "Matéria do Cotidiano", também editadas pelo IEL. Mas foi somente a partir do primeiro romance, em 1980 - quando estava com 40 anos - que passou a se considerar uma escritora. E começou a escrever um livro atrás do outro. "As Parceiras", "Reunião de Família" (roteirizado por Caio Fernando Abreu e levado ao palco pelo diretor Luciano Alabarse), "Asa Esquerda", "Quarto Fechado", "Exílio", "A Sentinela", "Rio do Meio" (que ganhou prêmio de melhor obra de ficção no ano passado) e "Secreta Mirada". Lya também é tradutora de inglês e alemão. "São mais de 30 anos de trabalho. Já perdi a conta de quantas obras traduzi. Acho que mais de 120 livros".








Não queremos perder, nem deveríamos perder: saúde, pessoas, posição, dignidade ou confiança. Mas perder e ganhar faz parte do nosso processo de humanização

***

Canção das mulheres


Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.

***

Um anjo vem todas as noites:


senta-se ao pé de mim, e passa

sobre meu coração a asa mansa,

como se fosse meu melhor amigo.

Esse fantasma que chega e me abraça

(asas cobrindo a ferida do flanco)

é todo o amor que resta

entre ti e mim, e está comigo.

***

Se não conheço os mapas,


escolho o imprevisto:

qualquer sinal é um bom presságio.

***

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.


Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.

***

A quatro mãos escrevemos o roteiro para o palco de meu tempo: o meu destino e eu.

Nem sempre estamos afinados, nem sempre nos levamos a sério.

***
A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada.

***
Há gente que, em vez de destruir, constrói; em lugar de invejar, presenteia; em vez de envenenar, embeleza; em lugar de dilacerar, reúne e agrega.

***
Apesar das minhas fragilidades, avanço.

***
As pessoas são responsáveis e inocentes em relação ao que acontece com elas, sendo autoras de boa parte de suas escolhas e omissões.

***
Apesar de todos os medos, escolho a ousadia.Apesar dos ferros, construo a dura liberdade.


Prefiro a loucura à realidade, e um par de asas tortas aos limites da comprovação e da segurança.

Eu, (..........), sou assim.
Pelo menos assim quero fazer: a que explode o ponto e arqueia a linha, e traça o contorno que ela mesma há de romper.

A máscara do Arlequim não serve apenas para o proteger quando espreita a vida, mas concede-lhe o espaço de a reinventar.

Desculpem, mas preciso lhes dizer:
EU quero o delírio.

***
Lembro-me do passado, não com melancolia ou saudade, mas com a sabedoria da maturidade que me faz projetar no presente aquilo que, sendo belo, não se perdeu.

***
Meu coração se transforma a cada experiência. Mas ainda palpita, sobressalta e se assusta. Ainda é vulnerável como quando eu tinha dez anos.

***

primeiro, não queremos perder


É lógico não querer perder.

Não deveríamos ter de perder nada:

Nem saúde, nem afetos, nem pessoas amadas.

Mas a realidade é outra:

Experimentamos uma constante alternância de ganhos e perdas.


Segundo:

Perder dói mesmo.

Não há como não sofrer.

É tolice dizer não sofra, não chore.

A dor é importante.

O luto também.

Terceiro:

Precisamos de recursos internos para enfrentar a tragédia e a dor.

A força decisiva terá que vir de nós, de onde foi depositada a nossa bagagem.

Lidar com a perda vai depender do que encontrarmos ali.

A tragédia faz emergir forças inimagináveis em algumas pessoas.

Por mais devorador que seja, o mesmo sofrimento que derruba faz voltar a crescer.

Quando é hora de sofrer não temos de pedir licença para sentir, e esgotar, a dor.

O luto é necessário, ou a dor ficará soterrada, seu fogo queimando nossas últimas reservas de vitalidade e fechando todas as saídas.

Aprendi que a melhor homenagem que posso fazer a quem se foi é viver como ele gostaria que eu vivesse:

bem, integralmente, saudavelmente, com alegrias possíveis e projetos até impossíveis.

Primeiro, não queremos perder.

***

Não saber exatamente o que queremos, mas procurar, achar e perder, e

continuar buscando, na mais saudável inquietação, é que torna a vida
tão fascinante, e faz valer a pena.

***









                                                  Lya Luft



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